sábado, 30 de abril de 2011

Dica de filmes para filosofar...

Me interesso especialmente em relacionar teorias filosóficas a determinados filmes, que históricos ou não dizem mais sobre a época em que foram produzidos do que propriamente à época que buscam retratar. Além disso também podemos fazer comparações entre os filmes, por exemplo: ASSASSINATO EM PRIMEIRO GRAU e A QUALQUER PREÇO. À primeira vista, pode parecer que são apenas dois filmes comerciais produzidos por Hollywood com meros fins lucrativos. Mas podemos utilizá-los para estudos mais profundos. O primeiro trata da questão do bem-estar-social nos EUA pós-crise de 29, onde chegamos no auge do antropocentrismo iniciado no Renascentismo em oposição ao teocentrismo medieval. Essa forma de pensamento que prioriza o homem como entidade mais valiosa sobre a Terra entra em declínio do início dos anos 80 do século passado com o surgimento dos movimentos ambientalistas. Isso fica evidente no segundo filme em questão. Um advogado de lesões corporais perde uma causa que depois é ganha por uma ONG que defende o meio ambiente. É o início do pensamento biocêntrico, ou biocentrismo, como vem sendo chamada essa nova forma de ver o mundo. Agora a preservação da natureza é mais importante que a preservação da vida humana. Certamente é um tema que deverá gerar muita polêmica, mas a idéia não é essa? Ambos os filmes são baseados em fatos reais e marcaram a história do direito estadunidense. Essa é a minha dica. Um abraço fraterno a todos que como eu são fascinados pelo cinema!

quarta-feira, 20 de abril de 2011

"Cidade-Cinema": proposta de um novo conceito Postado por José D'Assunção Barros em 14 janeiro 2011 às 23:23

Neste texto, proporemos a sistematização de um conceito com vista ao estudo da representação da Cidade no Cinema. A experimentação conceitual é inédita, e presentemente já a estamos aplicando a objetos de estudo específicos dentro da temática do Cinema e das produções fílmicas. O conceito proposto é o de ‘Cidade-Cinema’. Em primeira instância, mas atentando para algumas especificidades que serão delineadas mais adiante, o conceito de Cidade-Cinema objetiva uma sistematização do vocabulário utilizado com vistas aos estudos dedicados às cidades idealizadas pelo Cinema a partir de produções fílmicas específicas.

Uma “Cidade-Cinema”, para retomar em maior nível de profundidade a conceituação proposta, é rigorosamente falando qualquer cidade produzida por uma criação fílmica que, dotada de forte singularidade, desempenhe um papel essencial ou estruturante para a trama, não importando se a cidade-cinema em questão é uma cidade totalmente imaginada pelo autor-cineasta, ou se é uma cidade criada com base em uma referência que exista na realidade atual ou que já tenha existido, em algum momento, na realidade histórica. Deste modo, a imaginária “Gotham City”, de Batman (1989) , ou a histórica Roma reconstruída em Gladiador (2000) são ambas Cidades-Cinema, assim como a Nova York ou a Paris de nosso tempo que reaparecem, reconstruídas de alguma maneira, em inúmeros filmes e seriados para a televisão, como é o caso por exemplo da Nova York de Sexy and City (1998-2004) .

A palheta de possibilidades é diversificada. Ao lado das representações de cidades reais aparecem ainda, através dos recursos da invenção ou da re-invenção, as ‘construções imaginárias’ propriamente ditas. Tem-se aqui, por exemplo, as cidades puramente fictícias localizadas pelo cinema no Futuro, no Presente, no Passado, ou mesmo em “lugar-nenhum” – cidades estas que obviamente passam a ser identificadas por um nome novo e que não apresentam referências a cidades já existentes. E há também as cidades igualmente fictícias mas que são radicais reconstruções de cidades conhecidas, tal como ocorre com os filmes que tematizam épocas futuras e que se propõem a apresentar a Los Angeles de meados do século XXI ou a Nova York do século XXIII. Há, portanto, um quadro bastante amplo de possibilidades voltadas para a criação de cidades-cinema, e nele podemos vislumbrar três posturas fundamentais do autor fílmico com relação às realidades urbanas que estão sendo apresentadas nesta ou naquela película: a ‘Representação’, a ‘Invenção’ e a ‘Re-invenção’.

Antes de discutirmos cada uma destas três posturas fundamentais, deve-se ter em mente um pressuposto fundamental, para que apresente efetiva utilidade o conceito de ‘cidade-cinema’, e que este não se converta de uma categoria vazia na qual “tudo cabe”. As Cidades-Cinema devem ser vistas como elementos sempre fundamentais na trama fílmica, e não apenas como meros cenários nos quais as ações se desenvolvem. Deste modo, as cidades-cinema são quase, por assim dizer, grandes personagens no filme: se as retirássemos subitamente da trama com suas características e singularidades, se as substituíssemos por outras cidades ou ambientes urbanos, o filme ou parte do enredo perderia praticamente o seu sentido. Assim, Gotham City – a cidade sombria e gótica na qual se desenvolve uma peculiar batalha contra o crime – é de alguma maneira a face mesma de Batman, o homem-morcego; e, enquanto isso, a Roma que devora implacavelmente os seres-humanos na arena do Coliseu constitui aquilo que estrutura as próprias ações possíveis de Gladiador, da mesma forma que as complicadas e singulares personagens femininas de Sexy and City só poderiam existir, tal como são, na Nova York contemporânea reconstruída pela série de maneira tão singular. Para já mencionarmos dois exemplos que teremos oportunidade de analisar mais adiante, Metrópolis, a cidade futurista de Fritz Lang (1926), não é mais do que a concretização arquitetônica de uma sociedade radicalmente bi-dividida, cindida em dois, e que se estende simultaneamente em direção às alturas privilegiadas e aos subterrâneos miseráveis que se enraízam na terra; e a Los Angeles futurista de Blade Runner (1982) poderá nos revelar ser o mais adequado ambiente para aquela singular caçada de replicantes rebeldes que recoloca em cena, de forma velada, problemas de identidade tão típicos da pós-modernidade . As cidades-cinema, enfim, compõem uma totalidade conjuntamente com as tramas que nelas se desenvolvem, com os problemas que as materializam, com os personagens que nelas se movimentam.

A estes exemplos de cidades-cinema, tão intensamente singulares, poderíamos contrapor as inúmeras cidadezinhas do interior americano que se oferecem como palco para enredos hollywoodianos menores povoados por adolescentes nerds, jogadores de futebol-americano e líderes de torcida feminina. Substituir umas pelas outras não afetaria as tramas de cada um destes filmes, e de fato não nos lembramos mais do nome destas cidades carentes de maior singularidade quando se encerra o filme, porque elas não eram importantes senão como espaço no qual se movimentavam os personagens. Aqui se firma um contraste. Enquanto as insossas cidades-cenário de boa parte dos filmes e séries televisivas não se apresentam senão como espaço urbano que enquadra as ações nestas tramas cinematográficas mais previsíveis, já as autênticas Cidades-Cinemas se afirmam como matéria e espírito (metaforicamente falando) dos próprios filmes que as fizeram aparecer como verdadeiros acontecimentos. A Metrópolis de Fritz Lang invade a tela como a própria carne de uma sociedade bi-divida; a Nova York de Sex and City se oferece como esqueleto para as neuroses e inseguranças cotidianas de suas personagens no que tange ao Amor e ao Sexo; Gotham City, para parodiar uma célebre obra de Ernst Kantorowicz (1895-1963) sobre o Poder Régio na Idade Média , tornou-se o segundo corpo sombrio de Batman, cujo símbolo paira sobre os seus céus noturnos por força de sinistros holofotes surgidos de nenhum-lugar. A Cidade-Cinema é simultaneamente a carne de uma trama, e um gigantesco personagem da mesma.

Avancemos ainda mais na conceituação proposta. Convém deixar por estabelecido que – independente de ser uma ‘representação’, uma ‘invenção’ ou uma ‘reinvenção’ – qualquer cidade-cinema é sempre real e imaginária simultaneamente. De fato, qualquer tentativa de figurar uma cidade singularizada no Cinema ou na Literatura (e, porque não dizer, também na historiografia) é atravessada de ponta a ponta por Imaginação e Realidade. Uma cidade-cinema – mesmo aquelas que foram desenhadas pelo diretor e roteiristas com a pretensão de utilizar tintas rigorosamente realistas ou com base em um projeto de trazer às telas uma realidade urbana fielmente copiada do mundo vivido – está indelevelmente vinculada ao jogo de imaginação e realidade ao qual não se pode furtar nenhum artista criador. Dito de outra forma, toda cidade-cinema é suficientemente estranha, recortada ou deslocada em relação à realidade vivida para assim colocar para o seu analista um problema relativo ao imaginário, e em contrapartida é suficientemente familiar às demandas do nosso tempo (do tempo do cineasta ou do escritor) para que, a princípio, esteja assegurada a possibilidade de que lhe sejam decifradas as fortes ligações com a realidade social (extra-fílmica) que a estrutura. Assim, independente do fato de que haja um projeto de representar fielmente a realidade vivida, ou, ao contrário, de imaginar com liberdade total uma supra-realidade, todo autor deve pagar o seu quinhão ao Imaginário e à Realidade, mesmo que disto não se aperceba. E é exatamente este encontro entre Imaginário e Realidade atualizado pela criação fílmica ou literária que coloca para o analista um problema interessante, útil para a história e para a vida.

Ademais – e essa é outra questão de máxima importância para os estudos historiográficos sobre o Cinema – toda análise, ela mesma, é também atravessada pela imaginação e realidade relacionadas ao próprio analista. No caso das cidades-cinema, há que considerar que as questões que podem ser colocadas pela sua análise são também questões que adquirem sentido, de alguma maneira, através da nossa própria realidade urbana e dos problemas que nos afligem. Simultaneamente aprisionado e livre no interior dos limites impostos pela sua sociedade e pela sua época, o historiador que olha analiticamente para uma produção fílmica de modo a compreender determinada cidade-cinema traz consigo o viés de sua própria época, da sociedade e das circunstâncias que estruturam o seu olhar, dos diálogos que estabelece com seus pares historiadores naquele momento, e nesta complexa operação termina por enxergar não apenas o outro, mas também a si mesmo, para além de deixar com o seu texto de análise um documento igualmente interessante para o futuro, passível de novos olhares por outros que ainda virão. Mas, por ora, retornemos ao nosso foco de discussão, no sentido de dar a entender do que se trata quando falamos das modalidades da ‘representação’, da ‘invenção’ e da ‘reinvenção’ para as cidades-cinemas colocadas em cena pela filmografia de todas as épocas.


Um cineasta está trabalhando com a idéia de ‘Representação’ quando pretende passar ao seu espectador a idéia ou a sensação de que aquela cidade, que está sendo apresentada na tela, efetivamente existe ou um dia existiu. Deste modo, neste tipo de cidade-cinema o espectador já não se pergunta se aquela cidade corresponde ou não à realidade – ele simplesmente a aceita e se concentra no filme ao qual está assistindo. A Paris setecentista apresentada no filme O Perfume (2006) , baseado literalmente na obra literária de autoria do escritor alemão Patrick Süskind (n.1949), é desenhada para o espectador com vivas cores de realidade. Particularmente neste filme os espectadores, bem como os leitores de Patrick Süskind (que além de literato era historiador), podem quase que sentir os odores da Paris que vai sendo descrita a cada cena e bloco narrativo. É inteiramente fictícia a história que ali se desenrolará: a de um assassino que tinha o dom incomum de sentir todos os cheiros à sua volta, mesmo à distância e com absoluta precisão, como se estes fossem acordes musicais dos quais podia perceber cada nota em sua intensidade e timbre específico . A Paris dentro da qual se desenvolve a trama, contudo, é apresentada ao leitor sob o signo da Representação de uma Paris real – uma Paris histórica, tal como esta teria existido no século XVIII – e não sob o signo da Ficção . Note-se adicionalmente que somente Paris – esta Paris dos fedores e dos perfumes que é redesenhada por Patrick Süskind – poderia abrigar um enredo como o proposto para a trajetória do assassino Jean-Baptiste Grenouille.

Devemos considerar ainda – e esta questão é central – que a Paris setecentista redesenhada por Süskind é uma Paris única, singular, atravessada por uma questão específica: o Olfato. É este viés, o da produção de cheiros e as possibilidades do olfato, o que dá todo um sentido à Paris que é representada pelo romance de Süskind e pelo filme que retomou esta criação literária. Uma cidade-cinema “representada” nunca pretende ser uma representação de uma totalidade de aspectos, o que seria impossível como projeto e ineficaz para uma criação fílmica. Trata-se aqui de uma representação atravessada por uma questão específica, estruturada por um ou mais aspectos, reproduzida a partir de uma certa singularidade. É esta singularidade que permite, ao autor de uma cidade-cinema, recriar uma cidade que apresenta referências efetivas em relação à realidade atual ou histórica. A Paris setecentista representada pelo filme “O Perfume” só adquire seus sentidos e sua especificidade a partir da questão dos cheiros e olfatos.

Consideremos agora a Nova York apresentada pela famosa série televisiva Sexy and City (1998). Certamente tem-se aqui uma Nova York que tenta transmitir ao espectador da série uma viva impressão de realidade, de que aquela Nova York pode ser encontrada efetivamente em nossos dias com seus peculiares personagens e sua dinâmica social bem específica. Mas é também uma Nova York que apresenta lugares inventados (bares, clubes, ambientes, vizinhanças), entremeados com os fluxos e fixos que podem ser encontrados na Nova York real. Ao mesmo tempo, ao lado de situações que retratam um cotidiano bem próximo daquilo que um habitante ou viajante podem encontrar nesta cidade, há também situações novas, inusitadas, que fazem desta Nova York uma outra cidade que não a Nova York que pode ser efetivamente visitada na vida real. Trata-se, portanto, de uma Nova York imaginária, apesar de fortemente ancorada em um estatuto de realidade que lhe é conferido pelos autores. Adicionalmente, tal como já discutimos anteriormente, há uma questão que estrutura esta cidade-cinema representada, uma singularidade que a atravessa e que está relacionada às neuroses e desejos cotidianos dos citadinos que habitam esta New York representada pelo filme “Sex and City”.

Ainda sob o signo da Representação, mesmo as cidades-cinema colocadas em cena pelo gênero fílmico dos Documentários implicam em um recorte singular atravessado por imaginação e realidade . A cidade de Salvador trazida às telas por Cidade das Mulheres (2005), documentário de Lázaro Faria que busca recuperar o cotidiano e as questões sócio-culturais que se desenvolvem em torno do Candomblé e da função da Mulher como organizadora desta realidade sócio-cultural, é na verdade um recorte perspectivado por certo ponto de vista, concomitantemente remodelado pelas entrevistadas que prestam depoimentos, e que não deixa em nenhum momento de ser, em algum nível que seja, uma construção imaginária atravessada pela realidade, ou, visto ao inverso, uma construção com pretensões realistas atravessada pela imaginação ordenadora, modeladora, perspectivada pelo autor, interferida pelas posições sociais e políticas assumidas conscientemente ou incorporadas inconscientemente. O exemplo é também particularmente oportuno para ilustrar a intertextualidade fílmica, já que Lázaro Faria retoma o fio condutor de um livro homônimo escrito tempos atrás por Ruth Landes (1908-1991), no qual a antropóloga americana apresenta os resultados de uma pesquisa que fez na Bahia em 1930 . Qualquer outro exemplo poderia ser citado. A dimensão imaginária que acompanha a todo e qualquer Documentário não lhe reduz o valor científico; antes, enriquece-o.

As posturas da ‘Invenção’ e da ‘Reinvenção’ aproximam-se uma da outra através do mesmo viés que as opõe frontalmente à modalidade da ‘Representação’. Aqui, o cineasta não se preocupa mais em favorecer no espectador a emergência de uma sensação de que aquela cidade-cinema (histórica ou contemporânea) corresponde a uma realidade concreta. Nas cidades-cinemas ‘reinventadas’, embora haja uma referência a cidades reais (Paris, Rio de Janeiro, Nova York, Los Angeles) fica clara a sua dimensão fictícia. A situação mais comum é a das cidades que se localizam em um futuro imaginário: A Los Angeles de 2019, em Blade Runner (Ridley Scott, 1982), ou a Nova York do século XXIII, em O Quinto Elemento (Luc Besson, 1997), são obviamente construções imaginárias, projetando a imaginação para como seriam aquelas cidades no futuro. Situar uma cidade contemporânea no futuro já a introduz, necessariamente, no plano da ‘Reinvenção’.

O cinema futurista também oferece freqüentemente cidades-cinema produzidas sob a perspectiva da ‘Invenção’ – tal como é o caso da Metrópolis, de Fritz Lang (1926) – mas nada impede que sejam inventadas cidades-cinema correspondentes ao Presente, ao Passado, ou sem referência a temporalidades definidas. “Gotham City” – a cidade ao mesmo tempo gótica e moderna que nos é trazida pelo filme Batman (1989) – é uma destas cidades de referência temporal ambígua, embora se suponha que estejamos no Presente. Dark City (1998) , estranha e inquietante cidade na qual a noite se perpetua interminavelmente, e que, conforme oportunamente veremos, é na verdade reconstruída diuturnamente por alienígenas sem que seus habitantes disto se apercebam, também não se encontra em nenhuma temporalidade explicitada. Temos ainda a ‘invenção’ estabelecida sobre uma temporalidade indefinida – embora também aqui se suponha que estejamos no Presente, ou ao menos em um passado recente – com as criativas cidades inventadas por Dias Gomes (1922-1999) para a televisão brasileira, tal como a “Saramandaia” (1976), a “Sucupira” de O Bem Amado (1973) e a “Asa Branca” de Roque Santeiro (1985) . De todo modo, a imersão destas cidades inventadas por Dias Gomes em um caldo cultural brasileiro bem característico, e mais propriamente baiano, e a sua referência simbólica, irônica e por vezes quase direta aos tipos políticos e sociais do país, fazem destas ‘cidades inventadas’ experiências que ombreiam em veridicidade com as ‘cidades representadas’ que se referem a realidades urbanas já existentes. Aqui teremos, por assim dizer, ‘cidades inventadas’ que estão mergulhadas por inteiro em um contexto (contemporâneo ou histórico) que se mostra bastante real no que se refere às questões sociais que as estruturam, e que terminam por inscrever as cidades de Dias Gomes no mapa do Brasil real, apesar de nunca terem existido.

Situação bem distinta ocorre com as ‘cidades inventadas’ que remetem não a um contexto real conhecido, mas sim a um contexto que é ele mesmo igualmente inventado, como é o caso das cidades que estão situadas em um Passado Imaginário criado pelo cineasta ou pelo autor literário, tal como ocorre por exemplo nas cidades-cinema que, em Conan o Bárbaro (1982) , inventam civilizações pré-glaciais e pós-diluvianas de uma época que antecede a própria História . Nos filmes protagonizados por Conan, as cidades mais civilizadas mostram-se corruptas e decadentes, mergulhadas na libertinagem e amarradas pela burocracia, e contrastam com a postura mais ética e heróica dos guerreiros que atravessam o mundo em busca de aventuras. É interessante notar que estas aventuras idealizadas em 1932 respiram o mesmo clima de decepção com a vida moderna que irão inspirar, na Alemanha da mesma época, o surgimento do cinema expressionista. Mas enquanto os expressionistas radicalizam a experiência do Desespero, da Angústia e da Solidão através de personagens sombrios como o Nosferatu de Murnau (1922) ou como os vilões capitalistas da Metrópolis de Fritz Lang (1926), já os personagens heróicos que acompanham Conan se oferecem de alguma maneira como refúgio para o heroísmo e para a ética guerreira, e com destacada coragem procuram enfrentar alternadamente seres sobrenaturais e seres-humanos corrompidos por uma civilização decadente que naquele passado imaginário já está em ruínas. Registremos, portanto, que tanto nestes romances de aventuras míticas e bárbaras, como na filmografia expressionista, existem demandas de fundo que estão rigorosamente presentes na realidade contemporânea daqueles que os escreveram. No Conan imaginado por Robert Howard (1906-1936), particularmente, o contraste entre o herói bárbaro e a civilização decadente lança uma luz particular sobre as decepções de parte da intelectualidade ocidental diante dos rumos que iam sendo tomados pela modernidade no período das Guerras Mundiais e do entre-guerras.

Experiências ainda mais óbvias de cidades-cinema produzidas como ‘Invenção’ podem ser evocadas por cidades fantásticas e surreais que sequer remetem a este mundo, tal como aquelas apresentadas pela trilogia O Senhor dos Anéis (2001-2003), filmografia baseada na obra de mesmo nome escrita entre 1937 e 1949 por Tolkien (1892-1973), e que correspondem a um tempo e a um espaço inteiramente imaginários . Destarte, estaremos frisando a cada instante, veremos que mesmo a mais fantasiosa e surrealista das cidades-cinema acaba necessariamente por se referir, ainda assim, a questões de fundo bastante reais.

Para registrar uma curiosidade, pode também ocorrer a convivência ou o encaixe de cidades-cinema ‘representadas’, ‘inventadas’ ou ‘reinventadas’ no mesmo filme. Exemplo eloqüente, que será examinado mais adiante, é o dos filmes que tematizam as realidades virtuais. Assim, uma ‘cidade-cinema representada’ – a New York dos anos 1990 ou a Chicago dos Anos 30 – pode estar encaixada sob a forma de realidade virtual em uma Los Angeles Futurista (Décimo Terceiro Andar, 1999) ou nos sonhos produzidos por seres-humanos adormecidos em uma Não-Cidade dominada por máquinas (Matrix, 1999).

Na seqüencia deste texto, nosso interesse estará recaindo em especial sobre as Cidades-Cinemas imaginárias – categoria que inclui tanto as cidades totalmente ‘inventadas’ pelo Cinema como cidades que já existem na realidade contemporânea, mas que são ‘reinventadas’ por uma trama que se passa em um futuro próximo ou longínquo. Mais especificamente, nossa análise apontará para as distopias urbanas, ou “utopias negativas”, conforme o sentido para esta expressão que será definido mais adiante e aqui aplicado mais especificamente às cidades produzidas por um imaginário futurista. O ponto de partida será o Cinema das primeiras décadas do século XX, rico em uma imaginação distópica, e que estenderá sua influência imaginativa para períodos posteriores da história do Cinema, até chegar aos primórdios do século XXI.

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Leia acontinuação deste artigo em: http://ning.it/dRPwEr
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O artigo precede uma série de artigos sobre a Representação no Cinema
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[BARROS, José D'Assunção. “Cidade-Cinema: proposta de um novo conceito” in Convergências – Revista de Investigação e Ensino de Artes. ISSN: 1646-9054. vol. 2. set.-dez. 2008]


Achei o texto muito interessante, e gostaria de complementar as observações com a inclusão da cidade imaginária no "mundo espiritual" do filme Nosso Lar. Élida



domingo, 17 de abril de 2011

O cinema na pré-História?

Por que o homem pré-histórico se aventurava nos fundos mais inóspitos e perigosos de cavernas escuras quando pretendia pintar? Por que seus desenhos apresentam características de superposição de formas, que os tornam tão estranhos e confusos? Hoje, os cientistas que se dedicam ao estudo da cultura do período magdalenense não têm dúvidas: nossos antepassados iam às cavernas para fazer sessões de "cinema" e assistir a elas. Muitas das imagens encontradas nas paredes de Altamira, Lascaux ou Font-de-Gaume foram gravadas em relevo na rocha e os seus sulcos pintados com cores variadas. À medida que o observador se locomove nas trevas da caverna, a luz de sua tênue lanterna ilumina e obscurece parte dos desenhos: algumas linhas se sobressaem nas sombras. Então, é possível perceber que, em determinadas posições, vê-se uma determinada configuração do animal representado (por exemplo, um íbex com a cabeça dirigida para a frente), ao passo que, em outras posições, vê-se configuração diferente do mesmo animal (por exemplo, o íbex com a cabeça voltada para trás). E assim, à medida que o observador caminha perante as figuras parietais, elas parecem se movimentar em relação a ele ( o íbex em questão vira a cabeça para trás, ao perceber a aproximação do homem) e toda caverna parece se agitar em imagens animadas. Ou seja, o artista do Paleolítico tinha o instrumento do pintor, mas os olhos e a mente do cineasta. Numa palavra, eles já faziam cinema underground. (Watchtel 1993, p. 140) 
Quanto mais os historiadores se afundam na história do cinema, na tentativa de desenterrar o primeiro ancestral, mais eles são remetidos para trás, até os mitos e ritos dos primórdios. Qualquer marco cronológico que possam eleger como inaugural será sempre arbitrário, pois o desejo e a procura do cinema são tão velhos quanto a civilização de que somos filhos.


Arlindo Machado. Pré-Cinemas e Pós-Cinemas

O mito da caverna de Platão

Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para a frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior. A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda a luminosidade possível é a que reina na caverna. Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria. Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol, e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade. 
Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. 

Extraído do livro "Convite à Filosofia" de Marilena Chaui.



A PRIMEIRA SESSÃO DE CINEMA NOS MOLDES EM QUE A CONHECEMOS HOJE, OU SEJA, NUMA SALA PÚBLICA DE PROJEÇÕES, ACONTECEU HÁ MAIS DE 2 MIL ANOS, MUITO ANTES QUE LOUIS LUMIÉRE MOSTRASSE AS PAISAGENS ANIMADAS DE LA CIOTAT NO GRAND CAFÉ DE PARIS. ELA TEVE LUGAR NA IMAGINAÇÃO DE PLATÃO (QUE, POR SUA VEZ, CREDITAVA A SÓCRATES, NUM DIÁLOGO COM O SEU DISCÍPULO GLAUCO) INAUGURANDO NA HISTÓRIA DO PENSAMENTO OCIDENTAL O HORROR À RAZÃO DOS SENTIDOS.

O Cinema em sala de aula - Estratégias de trabalho com filmes em sala de aula



A utilização de filmes em sala de aula depreende etapas prévias a apresentação da produção e também elementos que permitam a utilização dos conteúdos e referências demonstrados a partir da película em trabalhos e avaliações. O elemento mais importante está relacionado, no entanto, a aplicação do filme durante as aulas, ou seja, como o professor pode orientar a ação dos alunos para que os melhores resultados possíveis possam ser atingidos.
Nesse sentido cabe, novamente, a recomendação de um planejamento prévio através do qual o educador tenha clareza quanto aos objetivos relativos à utilização do filme; se a produção será utilizada na íntegra ou apenas alguns trechos da mesma (e quais seriam, nesse caso as seqüências selecionadas); qual a relação entre o filme e os conteúdos que estão sendo trabalhados em sala de aula; que elementos principais devem ser destacados antes, durante e depois da apresentação da película; e, obviamente, as atividades que serão realizadas em função da utilização do filme em correlação de forças com as aulas sobre os temas trabalhados na produção, os materiais didáticos de apoio ao curso além de outros referenciais que eventualmente sejam pedidos ou sugeridos como ponto de apoio para as discussões e projetos fomentados. 
Imagem-do-filme-A Lista-de-Schindle
Sempre trabalhe filmes que estejam associados aos conteúdos
escolares que estão previstos em seu planejamento e,
de preferência, defina a utilização de produções cinematográficas
no início do ano, como parte dos recursos e referenciais previstos
em sua programação. (Na foto, seqüência de “A Lista de Schindler”,
de Steven Spielberg).
Pensando nisso, os próximos passos relativos à utilização de filmes em sala de aula descritos nesse artigo referem-se à estruturação das aulas quanto às estratégias e metodologias que farão parte das aulas. O que se quer, a princípio, é que as aulas sejam dinâmicas e atraentes para os estudantes. Para que isso ocorra é necessário que se organizem atividades que façam com que o educando participe ativamente dos procedimentos. Trabalhar com pequenos grupos e em situações de simulação da realidade são quesitos importantes para que os filmes possam ser discutidos e gerem produção escrita.
Organização é outra palavra fundamental quando pretendemos trabalhar com grupos de estudantes; todos os detalhes de encaminhamento das atividades têm que ser apresentados antecipadamente para os estudantes. Aulas expositivas são importantes antes de o filme ser apresentado ou logo depois da amostragem dos mesmos.
Aulas expositivas que são apresentadas antes do uso dos filmes têm o propósito de traçar um panorama geral do tema que está sendo estudado. Através dessa prévia dos conteúdos apresentados em aula o educando tem condições de comparar textos utilizados, informações disponibilizadas pelos professores, artigos de revistas especializadas, referências de jornais ou revistas de grande circulação com os filmes. 
Imagem-do-filme-Frankenstein
Associar os filmes a recursos adicionais às aulas, como
artigos de jornais, revistas, materiais obtidos na internet,
leitura de livros paradidáticos, música ou literatura
reforça ainda mais o trabalho de conteúdos na escola
(Na foto, “Frankenstein”, com Robert De Niro, baseado
na clássica obra literária de mesmo nome da inglesa Mary Shelley).
O professor tem que assumir o compromisso de disponibilizar os recursos e mobilizar os alunos não apenas através de seminários, centralizando as ações, mas também, atribuindo responsabilidades e mobilizando os alunos através de atividades que se desenvolvam durante suas aulas que antecedem o uso dos filmes.
Quando os filmes antecedem as aulas expositivas, a função do uso das películas é diferenciada em relação ao caso anteriormente apresentado. Os filmes são utilizados como recurso de chamamento dos educandos ao tema, têm o propósito de despertá-los para os temas em questão, introduzem o assunto em aulas.
Mesmo nesse caso torna-se necessário que os professores procurem orientar as atividades no tocante ao filme, indicando caminhos, lançando questionamentos antes da apresentação do filme, pedindo maior atenção quanto a determinados aspectos da história representada ou intercedendo nos momentos que considere apropriados (se necessário, parando a apresentação do filme em vídeo ou DVD).
Não é recomendável que os estudantes façam anotações durante a apresentação do filme, isso dispersa a atenção dos mesmos para os detalhes da trama, do cenário, dos figurinos e de outros elementos representativos que podem ser utilizados pelo professor em suas atividades posteriores. 
Imagem-do-filme-Dois-filhos-de-Francisco
Os filmes também podem e devem ser utilizados para o exame
de questões sociais. Esse trabalho deve inclusive levar os professores
a discutir os temas a partir da noção de mundo dos alunos,
estimulando uma participação mais ativa dos mesmos nos
estudos. (Na foto, seqüência do filme “Dois filhos de Francisco”,
produção nacional de grande repercussão entre o público e a crítica).
As aulas expositivas que transcorrerem depois da apresentação devem ser utilizadas para referendar os pontos importantes disponibilizados pelo filme, aprofundar o assunto e introduzir idéias que tenham passado despercebidas, sem que tenham sido mencionadas; novamente, cabe ao professor utilizar os recursos complementares para que suas aulas sejam elucidativas, interessantes e para que a atenção e a participação dos educandos seja contínua.
Se o professor considerar necessário os trechos mais importantes podem ser apresentados mais vezes, depois que as discussões e debates, assim como a redação sobre o material fílmico, já estiverem em curso durante as aulas.
A proposta de trabalho em pequenos grupos tem o objetivo de fazer com que os educandos troquem idéias entre si, despertem uns nos outros a atenção quanto a aspectos que não foram percebidos, discutam questões propostas pelo professor e escrevam sobre o que viram.
A idéia de simulações como proposta de ação nas aulas depois da apresentação do filme tem o propósito de aproximar os temas apresentados nos filmes da realidade vivida pelos alunos, tornando o assunto em questão ainda mais pulsante e vivo para os mesmos. Ambientar as aulas em situações como uma redação de jornal, uma estação de rádio, uma organização não-governamental ou uma secretaria de governo pode estimular os estudantes e fazer com que o resultado final dos trabalhos seja ainda mais interessante.

João Luís de Almeida Machado Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

Quais os critérios para se enquadrar um filme como documento historiográfico ou discurso sobre a história?